PROJETO DESANDAR
Série de programas de performance para a cidade, o corpo e o fim do mundo.
Série de programas de performance para a cidade, o corpo e o fim do mundo.
DESCREVER-SE
Encontro um muro na cidade. Faço dele a página dura do meu diário íntimo. Escrevo no muro algo meu. Uma confissão urgente. Exponho-me minuciosamente e enumero minhas partes essenciais de modo que o passante tenha a imagem mais exata possível de quem eu sou, hoje.
DESCARACTERIZAR-SE
Escolho pessoas e peço que me vistam com suas próprias roupas por uma semana. Arrisco uma nova caracterização. Cubro-me, envolvo-me, envergo-me por um outro contorno cotidiano. Delineio figuras no meu corpo, modos de ser ou estar.
DESAPEGAR-SE
Recolho objetos obsoletos que estão na minha casa. Livros que não serão mais lidos, objetos inteiros ou quebrados, roupas, cadarços de tênis, antigos CD’s, qualquer objeto sem uso. Espalho os objetos pela cidade, em deriva. Deixo-os como vestígios meus. Não irei recuperá-los nunca mais. Talvez eles sejam incorporados a outras vidas. Talvez eles se percam. Talvez virem lixo ou fotografias.
DESTROÇAR-SE
Encontro destroços na cidade. Micros e macros. Hiper e nanos. Troços de grades, vidros, árvores, muros, calçadas, estruturas urbanas. Traço linhas com eles. Alinho, circulo, espiralo, monto e desmonto. Organizo e desorganizo fragmentos da cidade, enquanto faço o mesmo com meu próprio corpo.
DESAPARAR-SE
(ponte)
Escolho uma ponte. Levo uma tesoura e uma garrafa. Mostro meu cabelo e peço que pessoas cortem as porções que são inúteis, que tirem desigualdades. Pergunto o que elas fariam com as porções desatadas. Deixo-me no meio fio. Ando pela cidade procurando superfícies que reflitam pessoas.
(beira de rio)
Escolho a beira de um rio. Levo uma tesoura e um espelho. Mostro meu cabelo e deixo que o vento e as nuvens apurem meu estilo. Busco uma fuga secreta para meus pensamentos. Desligo-me daquilo que internamente delineia meu estilo. Escondo as porções desatadas em um local que ninguém possa encontrar. Guardo, porque talvez o que foi inútil deixou de ser.
DESVENDAR-SE
Ando observando as casas e terrenos que tem placa de vende-se. Ando observando locais na cidade onde muitos espaços têm placas de vende-se. Escolho um deles. Escrevo na placa a palavra DES. Coloco uma venda nos olhos e permaneço na frente do terreno, prédio ou casa por algum tempo. Todas anunciadas. Negocio comigo mesma o que fazer ali. Não alieno-me mediante a falta de visão. Troco por audição, tato e olfato. Pergunto-me se este espaço já cedeu (ou se irá ceder) sua própria liberdade por certo preço. Revelo para ele um pensamento: "o tipo de cidade que queremos não pode ser separado do tipo de pessoas que queremos ser".
DESMORONAR-SE
Escolho uma construção, obra ou demolição na cidade. Coloco-me na frente dela. Ouço. A partir dos estímulos sonoros que vem dos sons das máquinas e ferramentas desço até o chão e em seguida levanto. Enquanto me desmorono, vou reconhecendo os sons que vem dela e deixando que eles alterarem os meus movimentos. Permaneça fazendo está ação ininterruptamente até encontrar que seu corpo encontre um fluxo com o chão. Ao final, deixe nele uma marca. O programa pode ser feito em deslocamento parando em todas as construções, obra ou demolições do caminho.
DESFRUTAR-SE
Me alimento de frutas. Aprecio os sabores dos frutos e dissabores do corpo. Usufruo das frutas como dispositivos para criar narrativas. Fabulo, ficcionalizo, me masturbo. Escrevo sobre a experiência. Saio pela cidade espalhando o relato escandaloso.
DESENCANAR-SE
(para Yoko Ono)
Falo a expressão foda-se para o céu, para a parede, para o ralo, para o cano. Três vezes ao dia, durante cinco dias.
DESTILAR-SE
Ando pela cidade em deriva. Toda vez que passo por um boteco, entro e me purifico. Escolho uma bebida destilada, bebo. Gotejo palavras em um guardanapo. Derramo-me num selfie em cada local. Volto a andar. Repito o procedimento até me sentir fracionada.
DESCOLAR-SE
Tiro fotos das partes do meu corpo, internas e externas. Colo em postes dos caminhos que faço regularmente. Faço desunir os órgãos que antes estavam colados em mim.
DESAGUAR-SE
Ando sem calcinha.
DESCONFIGURAR-SE
Crio para mim um novo álbum de retratos da infância. Revejo o conjunto de elementos culturais encontrados num determinado tempo. Configuro novas adjetivações. Revisto-me de novos atributos. Dou a figura um outro caminho. Outras dúvidas, outras expectativas, um novo medo da morte, se ele existir.
DESOBSTRUIR-SE
Escolho uma via pública atravancada, uma grande avenida, uma rua muito movimentada no horário de pico. Ando enquanto descrevo em voz muito alta aquilo que vejo. Desatravanco as palavras. Não paro de andar enquanto falo em voz forte e sonora, para ser ouvida longe, sobre a mulher que não sei ser. Removo aquilo que me faz parar de falar. Paro enquanto faço sair em tom elevado e áspero aquilo que sinto.
DESENTERRAR-SE
Visito um cemitério. Escrevo, no local, um pequeno texto do gênero ficção científica sobre a morte da cidade.
DESFABULAR-SE
Visito um lugar da minha infância, da adolescência e da idade adulta. Em cada lugar, invento uma nova memória. Escrevo as memórias futuras que nunca existirão.
DESEDUCAR-SE
Perco toda a educação. Perco o decoro. Falo todos os palavrões que conheço, em fluxo. Invento outros. Na rua, no banheiro e na loja de doces.
DESEQUILIBRAR-SE
Moro nessa cidade e meu equilíbrio é instável. Minha cabeça flutua e todos os dias sinto ondas de inquietação pelo corpo. Para não perder a direção, escolho uma via movimentada e decido percorrê-la a pé, com um copo de água na cabeça. Não posso derrubá-lo. Não posso me entregar à vacilação nem à inconstância.
DESTEMPERAR-SE
Experimento o sal, a cúrcuma, o curry, o alho e a hortelã. Sinto os sabores na boca, que logo se expandem para as têmporas. Subitamente decido exceder os limites do meu paladar. Masco pimenta, tomo cachaça, engulo pequi. Escrevo em fluxo no ritmo de cada gosto (ou desgosto). Leio as palavras. Desafino.
Encontro um muro na cidade. Faço dele a página dura do meu diário íntimo. Escrevo no muro algo meu. Uma confissão urgente. Exponho-me minuciosamente e enumero minhas partes essenciais de modo que o passante tenha a imagem mais exata possível de quem eu sou, hoje.
DESCARACTERIZAR-SE
Escolho pessoas e peço que me vistam com suas próprias roupas por uma semana. Arrisco uma nova caracterização. Cubro-me, envolvo-me, envergo-me por um outro contorno cotidiano. Delineio figuras no meu corpo, modos de ser ou estar.
DESAPEGAR-SE
Recolho objetos obsoletos que estão na minha casa. Livros que não serão mais lidos, objetos inteiros ou quebrados, roupas, cadarços de tênis, antigos CD’s, qualquer objeto sem uso. Espalho os objetos pela cidade, em deriva. Deixo-os como vestígios meus. Não irei recuperá-los nunca mais. Talvez eles sejam incorporados a outras vidas. Talvez eles se percam. Talvez virem lixo ou fotografias.
DESTROÇAR-SE
Encontro destroços na cidade. Micros e macros. Hiper e nanos. Troços de grades, vidros, árvores, muros, calçadas, estruturas urbanas. Traço linhas com eles. Alinho, circulo, espiralo, monto e desmonto. Organizo e desorganizo fragmentos da cidade, enquanto faço o mesmo com meu próprio corpo.
DESAPARAR-SE
(ponte)
Escolho uma ponte. Levo uma tesoura e uma garrafa. Mostro meu cabelo e peço que pessoas cortem as porções que são inúteis, que tirem desigualdades. Pergunto o que elas fariam com as porções desatadas. Deixo-me no meio fio. Ando pela cidade procurando superfícies que reflitam pessoas.
(beira de rio)
Escolho a beira de um rio. Levo uma tesoura e um espelho. Mostro meu cabelo e deixo que o vento e as nuvens apurem meu estilo. Busco uma fuga secreta para meus pensamentos. Desligo-me daquilo que internamente delineia meu estilo. Escondo as porções desatadas em um local que ninguém possa encontrar. Guardo, porque talvez o que foi inútil deixou de ser.
DESVENDAR-SE
Ando observando as casas e terrenos que tem placa de vende-se. Ando observando locais na cidade onde muitos espaços têm placas de vende-se. Escolho um deles. Escrevo na placa a palavra DES. Coloco uma venda nos olhos e permaneço na frente do terreno, prédio ou casa por algum tempo. Todas anunciadas. Negocio comigo mesma o que fazer ali. Não alieno-me mediante a falta de visão. Troco por audição, tato e olfato. Pergunto-me se este espaço já cedeu (ou se irá ceder) sua própria liberdade por certo preço. Revelo para ele um pensamento: "o tipo de cidade que queremos não pode ser separado do tipo de pessoas que queremos ser".
DESMORONAR-SE
Escolho uma construção, obra ou demolição na cidade. Coloco-me na frente dela. Ouço. A partir dos estímulos sonoros que vem dos sons das máquinas e ferramentas desço até o chão e em seguida levanto. Enquanto me desmorono, vou reconhecendo os sons que vem dela e deixando que eles alterarem os meus movimentos. Permaneça fazendo está ação ininterruptamente até encontrar que seu corpo encontre um fluxo com o chão. Ao final, deixe nele uma marca. O programa pode ser feito em deslocamento parando em todas as construções, obra ou demolições do caminho.
DESFRUTAR-SE
Me alimento de frutas. Aprecio os sabores dos frutos e dissabores do corpo. Usufruo das frutas como dispositivos para criar narrativas. Fabulo, ficcionalizo, me masturbo. Escrevo sobre a experiência. Saio pela cidade espalhando o relato escandaloso.
DESENCANAR-SE
(para Yoko Ono)
Falo a expressão foda-se para o céu, para a parede, para o ralo, para o cano. Três vezes ao dia, durante cinco dias.
DESTILAR-SE
Ando pela cidade em deriva. Toda vez que passo por um boteco, entro e me purifico. Escolho uma bebida destilada, bebo. Gotejo palavras em um guardanapo. Derramo-me num selfie em cada local. Volto a andar. Repito o procedimento até me sentir fracionada.
DESCOLAR-SE
Tiro fotos das partes do meu corpo, internas e externas. Colo em postes dos caminhos que faço regularmente. Faço desunir os órgãos que antes estavam colados em mim.
DESAGUAR-SE
Ando sem calcinha.
DESCONFIGURAR-SE
Crio para mim um novo álbum de retratos da infância. Revejo o conjunto de elementos culturais encontrados num determinado tempo. Configuro novas adjetivações. Revisto-me de novos atributos. Dou a figura um outro caminho. Outras dúvidas, outras expectativas, um novo medo da morte, se ele existir.
DESOBSTRUIR-SE
Escolho uma via pública atravancada, uma grande avenida, uma rua muito movimentada no horário de pico. Ando enquanto descrevo em voz muito alta aquilo que vejo. Desatravanco as palavras. Não paro de andar enquanto falo em voz forte e sonora, para ser ouvida longe, sobre a mulher que não sei ser. Removo aquilo que me faz parar de falar. Paro enquanto faço sair em tom elevado e áspero aquilo que sinto.
DESENTERRAR-SE
Visito um cemitério. Escrevo, no local, um pequeno texto do gênero ficção científica sobre a morte da cidade.
DESFABULAR-SE
Visito um lugar da minha infância, da adolescência e da idade adulta. Em cada lugar, invento uma nova memória. Escrevo as memórias futuras que nunca existirão.
DESEDUCAR-SE
Perco toda a educação. Perco o decoro. Falo todos os palavrões que conheço, em fluxo. Invento outros. Na rua, no banheiro e na loja de doces.
DESEQUILIBRAR-SE
Moro nessa cidade e meu equilíbrio é instável. Minha cabeça flutua e todos os dias sinto ondas de inquietação pelo corpo. Para não perder a direção, escolho uma via movimentada e decido percorrê-la a pé, com um copo de água na cabeça. Não posso derrubá-lo. Não posso me entregar à vacilação nem à inconstância.
DESTEMPERAR-SE
Experimento o sal, a cúrcuma, o curry, o alho e a hortelã. Sinto os sabores na boca, que logo se expandem para as têmporas. Subitamente decido exceder os limites do meu paladar. Masco pimenta, tomo cachaça, engulo pequi. Escrevo em fluxo no ritmo de cada gosto (ou desgosto). Leio as palavras. Desafino.